sábado, 31 de maio de 2008

Fichamento de Texto: KRAUSE-VILMAR, Dietfrid. “A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência e para a educação

1) A negação do Holocausto como tema de discussão:
Passado algum tempo, pouco mais de uma década, após o fim do segundo conflito mundial, a negação dos assassinatos em massa realizados pelo nacional-socialismo ganhou a cena, não somente nos estudos históricos e das demais ciências humanas e também as tecnológicas, mais também nos tribunais em grande parte da Europa e nos Estados Unidos.
A negação pública dos crimes nazistas, que mais tarde foi chamada de Revisionismo – por seus adeptos pretenderem, segundo eles próprios, revisar a história – iniciou por essa vertente não negando que tivesse ocorrido a matança em massa por uso de gás tóxico ou asfixiante, a princípio, apenas relativizando as declarações das testemunhas da época, relativização essa que, seria passagens fluidas para as negações desses eventos.
No entanto, com o passar dos anos, as negações tornaram-se cada vez mais abrangentes e irracionais e simplesmente, inegáveis. Por isso, segundo o autor “devemos nos ocupar da negação dos assassinatos em massa, pelo fato de que a monstruosidade dos crimes nazistas impõe-nos compromissos permanentes”. (p.1 §1)
Alegações como que a situação que reinava nos campos de concentração, não era de responsabilidade dos membros da SS, mas sim, primordialmente pelos prisioneiros que por ela haviam sido nomeados pela administração dos campos e pela vida dos demais prisioneiros, começaram a surgir a partir dos revisionistas. Esses mesmos negavam outros pontos bastante comprovados pela historiografia mundial como o número de pessoas assassinadas, as técnicas usadas no extermínio, os documentos e figuras históricas que foram apresentados, os locais dos campos de morte e a existência das câmaras de gás.
Declarações como o questionável relatório Leuchter (documento baseado em amostras de pedras e rochas retiradas de Auschwitz que tentou negar a ocorrência de assassinatos nas câmaras de gás) surgiram, sendo bravamente refutadas. Essas declarações provocam grande impacto na opinião pública e ganham espaços nas mídias sensacionalistas, por isso, muitos negadores desses crimes foram levados a condenações.
O cerne das afirmações dos revisionistas consiste na negação do assassinato em massa dos judeus europeus. Questiona-se também a culpa dos alemães pela guerra e a dimensão dos crimes cometidos por eles, afirmando também que a II Guerra Mundial teria sido imposta aos alemães a partir de fora.
Muitas declarações dos revisionistas não negam totalmente tais eventos, e sim, desdenham e diminuem um determinado acontecimento, possibilitando relativizá-los e dessa forma não negar a história. Alguns exemplos: o aumento indiscriminado do número de vítimas alemães; a perseguição aos judeus como medidas de anti-espionagem e anti-guerrilha numa situação de guerra; afirmação de que os líderes nazistas desconheciam o extermínio dos judeus e que esses exageravam o ocorrido em busca de reparações financeiras, sendo também pertencentes a uma conspiração judaica mundial (percebemos o caráter anti-semita nas declarações a ainda aquele estereótipo do judeu ávido por dinheiro).

2) Os níveis de argumentação dos negadores de Auschwitz:
O revisionismo é marcado pela complexidade para desvendar algumas declarações e discrepâncias nessa atividade, onde encontramos lendas e invenções facilmente refutáveis ao lado posicionamentos críticos e de aspectos específicos que demandam conhecimento para rejeitá-los. Essa atividade tornou-se uma enorme rede internacional contando com inúmeras publicações, realização de conferencias e intensiva utilização da internet pra disseminá-las.
Os revisionistas também promovem uma inversão daqueles que são possidentes da verdade, alegando que os testemunhos dos criminosos teriam sido obtidos sob tortura e outras formas de extorsão, considerando-os sem valor, enquanto os perseguidos aparecem como mentirosos e criadores de fantasias e exageros.
Esses estudiosos alegam a suposta existência de uma declaração de guerra judaica feita antes da II Guerra, insinuando que a Alemanha teria sido vítima e não autora dos crimes. Todas essas declarações são apresentadas por eles com bases empíricas, no entanto, são utilizados documentos sem garantias de conteúdo autentico, sendo feita uma descontextualização de documentos e alguns fatos históricos, excluindo deste material, o conteúdo histórico-político documentado de maneira correta. Eles transformam documentos isolados em documentos-chave ou transformam afirmações de testemunhas, algumas vezes contestáveis, em relatos-chave, afirmando que declarações dos oficiais da SS teriam sido obtidas mediante extorsão, e a de prisioneiros como desqualificadas como sendo inteiramente não confiáveis, modificando os possuidores da verdade. São capazes também de desconsiderar os diários e as declarações dos líderes nazistas que descreviam o extermínio detalhadamente.
A fonte material de que dispõem deve ser descrita como escassa ou estreita – vários deles compartilham mesmos textos-base, muitas vezes literaturas exclusivamente anti-semita e sem importância histórica. São claramente conotadas de motivos anti-semitas com uma linguagem marcada pelo ódio e pelo desprezo com um nível lingüístico de argumentação dessas pessoas compostas muitas vezes de frases e expressões de origem anti-semita caracterizadas pelo ódio, não sendo eruditas e sóbrias, e sim desapropriadas a um discurso que busque um distanciamento analítico.
O foco das afirmações dos negacionsitas é o campo de concentração de Auschwitz, no entanto outros são tematizados como de passagem e sistematicamente negados tais como: a perseguição aos judeus antes do início da guerra; os homicídios através da eutanásia; o tratamento dispensado aos prisioneiros de guerra, principalmente os soviéticos (o horror dos campos de concentração); os assassinatos em massa praticados em outros campos de extermínio; e o assassinato de outros grupos de prisioneiros como os ciganos, os homossexuais, prisioneiros políticos e testemunhas de Jeová.

3) O problema das fontes históricas disponíveis:
Essa vertente de estudiosos continuam a negar tais eventos mesmo diante de provas inegáveis. Além dos relatos das testemunhas diretas, existem, em correspondências da SS e em outras fontes preservadas, evidências suficientes do assassinato em massa provocado por gás asfixiante, mesmo sem esquecer que próximo ao final da guerra, a SS, deslocou efetivos para apagar os vestígios das atrocidades cometidas por eles. Algumas dessas fontes são as fichas de trabalho de trabalhadores civis em Auschwitz, que informam sobre os serviços de manutenção e reparos nas câmaras de gás; a visível capacidade dos enormes crematórios e os relatos feitos por prisioneiros que fugiram de Auschwitz durante a guerra. Com isso, a afirmação dos revisionistas, segundo as quais as informações sobre os assassinatos em massa seriam invenções fabricadas no pós-guerra, ficam refutadas, sem sombra de dúvidas.
É uma obrigação de todo o ser humano jamais deixar que tais crimes contra a humanidades sejam esquecidos e tampouco contrapostos de forma tão grosseira, de modo que o esquecimento e a negação dessa monstruosidade tornam-se um passaporte para novas cadeias de eventos do mesmo caráter, conforme podemos perceber nos últimos anos, ainda, felizmente, longe da magnitude dos horrores praticados durante a II Grande Guerra.

Resenha do Filme "Triunfo da Vontade"

O filme da diretora Leni Riefenstahl, foi encomendado por Adolf Hitler que buscava filmar de um modo mais profissional seus eventos oficiais do Partido Nazista. O filme se destaca pela sua qualidade técnica – tendo em vista que foi filmado no ano de 1934 – contando com uma imagem de alta qualidade, sonoridade perfeita para a época em que fora realizado e com fotografias fascinantes. Tudo isso comprova todas as pesquisas e o desenvolvimento técnico alcançado pelos alemães durante o período nazista, atestando que o empenho as novas e inovadoras tecnologias não se restringiam ao belicismo, além da utilização dos nazistas pelo cinema para divulgar suas ideologias, suas ações.
Como a simplicidade não estava presente nos sonhos e tampouco no governo de Hitler, nada melhor do que fazer um filme para mostrar com toda a grandeza do cinema toda a movimentação do regime nazista. O longa-metragem começa já com um gigantesco desfile de Hitler pelas ruas da Alemanha, quando é ovacionado pelas pessoas nas ruas que acompanham eufóricas a parada. Já com essas primeiras cenas já se percebe a grandiosidade das manifestações organizadas pelo Partido Nazista e que muitos outros exemplos ainda estariam por vir no filme.
Outro detalhe que logo desperta a atenção do espectador é a perfeita musicalidade das cenas, que substituem as falas dos “personagens”, e dão mais ênfase aos discursos, os únicos momentos do filme em que se ouve a voz de alguém.
Numa das primeiras cenas do filme em que mostra atividades ao ar livre, no campo de jovens alemães, provavelmente da Juventude Hitlerista, já percebemos características próprias do regime nazista, como o movimento de resgate de valores da natureza, da vida campestre, assim como o do culto ao corpo, da educação física, e de humanidade entre os alemães – evidente os arianos – já com o intuito de formação de valores de companheirismo, de confiança de um em outro, do trabalho em equipe, tudo isso através de brincadeiras, gincanas e atividades que podem ser vistas por um leigo como meras atividades de recreação para jovens, mas já era a formação de soldados do Exército Nazista já introduzido com seus valores destacados mais acima.
Também são destaque no filme os congressos do Partido Nazista, onde estavam presentes além de militares e de membros de outros partidos alemães, presidentes de outras nações da Europa, ou seja, mais uma evidencia do prestígio e respeito que Hitler tinha dentro seu país e do consentimento dos países europeus para com sua política, sem contar com a presença maciça do povo alemão.
No congresso Nacional-Socialista alemão de 1934, os membros do partido já discursavam para os presentes os objetivos do III Reich, como a formação da Grande Alemanha, justificativa de que uma revolução seria necessária para que a nação se tornasse vitoriosa, ressaltou-se também o crescimento industrial e econômico pelo qual vinha passando a Alemanha (num claro discurso de um dos integrantes que afirmara que Hitler “havia tirado o país do buraco”) e já a valorização da pureza racial para que o Reich fosse vitorioso e subjugasse as nações da Europa Oriental. Tudo isso, mais uma vez destacando, com a presença de líderes de nações vizinhas. Com toda a aclamação da população aos objetivos de Hitler, este é de fato, sacralizado.
Hitler foi uma figura que inaugurou o terreno da política de massas, encenando todas as suas aparições públicas de orador do partido como se fosse à entrada de um célebre tenor nos palcos de um teatro, com toda a sua inspiração wagneriana. Todos os seus monumentais discursos para uma enorme platéia eram verdadeiros espetáculos encenados que tocavam a população fazendo-a sentir orgulho de sua pátria e de pertencê-la. Eram comícios hipnóticos e teatralizados onde o füher era o ator principal.
Ele discursava para todos, trabalhadores, jovens, para a sociedade em geral. Para os trabalhadores, alinhados de uma forma semelhante a doutrina militar, pregava a igualdade dos valores de trabalho, não propondo mais uma divisão e sim uma união de finalidades, num claro desconhecimento de castas e classes, cobrando sempre a dedicação. Para os jovens reverenciava aos que haviam morrido pela Alemanha e os ensinava a serem duros e corajosos e que aceitassem as privações em nome de uma pátria forte, de uma Alemanha viva. Era uma forma completamente inovadora de política, sem intermediários entre o líder e a sociedade, permitindo um acesso direto.
Nas grandes produções destacamos os eventos realizados a noite, iluminados pelo fogo que denotava um misticismo. Havia também a valorização da cavalaria como um apego nazista as tradições medievais, reafirmadas para a escolha de Nuremberg, uma cidade medieval, para sede de seu partido e não uma cidade já industrializada como Berlim.
A perfeita sincronia dos desfiles militares, onde marchavam todos completamente alinhados, revelam o ideal de defesa e todo o senso de ordem e coesão não somente para as forças armadas, mas para toda a nação.
O filme condensa todos os valores propagados e destacados pelo nazismo, intrínseco a propaganda, o doutrinamento ideológico, a visão estética subjacente na paranóia por marchas e continências, o ideal de ordem e coesão. É um filme que mostra também a receptividade e a fidelidade da sociedade aos apelos e a política de Hitler, demonstrados logo no início do longa-metragem através das bandeiras do Partido Nacional Socialista penduradas pela cidade.
É com certeza um filme exaustivo, mas que merece ser assistido, evidente não como um entretenimento, e sim como uma forma de análise e estudo de um dos períodos de maior complexidade da história da humanidade.

Ficha Técnica
Título Original: Triumph des Willens (Triunfo da Vontade)
País de Origem: Alemanha
Ano: 1934
Duração: 110 minutos
Diretor: Leni Riefenstahl

Resenha do Filme "Arquitetura da Destruição"

O filme “Arquitetura da Destruição” do diretor sueco Peter Cohen é ao mesmo tempo chocante e esclarecedor, sendo sem dúvida, a visão de uma pessoa que tem bastante conhecimento e pesquisa sobre o assunto. O longa-metragem tem como pano de fundo de toda a megalomania de Hitler seu irracional desejo de embelezar o mundo, evidente que começando e priorizando o III Reich e expandindo pros territórios que fosse conquistando.
Como Peter Cohen deixa bem claro, é importante destacar que não se trata de um embelezamento superficial, que só contasse com imponentes construções arquitetônicas. O processo era mais longo e mais fundo, desde as artes em geral até a tentativa de uma saúde perfeita e de uma estética irreparável para o povo alemão, incluindo, evidente, o extermínio de judeus.
Hitler e demais membros do governo nazista tinham um grande apreço pela arte, sendo o füher, inclusive um pintor frustrado, algumas de suas gravuras seriam aproveitadas como modelo de projetos arquitetônicos. Sendo a Alemanha um país de homens que aspiravam servir as artes, havia inúmeras manifestações artísticas, como o Dia da Arte e uma instituição de defesa da arte alemã. Hitler fazia questão de anualmente realizar exposições de arte genuinamente alemã, mesmo nos conturbados anos de guerra, onde comprava centenas de obras.
Os discursos de Hitler são um dos exemplos da característica artística de seu governo. Eram a máxima expressão da teatralização, verdadeiros espetáculos encenados, numa visão de que o “comício como o mito do corpo do povo”, era um grande show coreografado com Hitler atuando como diretor, coreógrafo e ator principal, que sem se descuidar de nenhum detalhe, levava a as massas à histeria coletiva a cada frase discursada. Ele transcendia a idéia de política tradicional Hitler abominava as artes modernas, como as vanguardas européias futuristas e dadaístas. Gostava de chamá-las de arte degenerada, associando-as aos bolcheviques e que dizendo que eram instigadas pelos judeus. Ele chegava a realizar exposições de “arte degenerada” paralela as grandes exposições de arte genuinamente alemã, para que a sociedade pudesse compará-las e perceber superioridade da última. Tamanho era o desprezo pela arte moderna que Hitler comparava-a com as deformidades físicas das pessoas.
Era comum a esterilização de doentes físicos e mentais, que eram vistos como indivíduos inferiores a qualquer animal, para que esses não passassem suas “deficiências” hereditariamente para os descendentes, num grande receio de que a população de doentes ultrapassasse a população saudável da Alemanha.
No regime nazista a eutanásia ganha um novo significado, perfeitamente compreendido no filme, e é praticada como arte, ao eliminar o feio e o disforme. Há o crescimento do número de médicos e de cursos de medicina nazista e esta realiza vários progressos, ficando entre as melhores do mundo, com o médico no ambíguo papel de salvar vidas e sentenciar a morte. Para que a Alemanha ficasse livre de deficientes eram feitos testes e extermínios em outros territórios, como a Polônia.
Não se podia deixar a raça sucumbir aos adventos da vida moderna, dizia Hitler. Por isso a saúde era vista como o princípio da beleza, ou seja, os problemas estéticos são também considerados como de saúde. Destaque para a criação do Museu da Vida, onde o médico é o mediador entre a beleza e a saúde.
Como o embelezamento era vinculado diretamente à limpeza, a limpeza do local de trabalho e a limpeza do próprio trabalhador eram imprecindíveis. Sempre com o lema “trabalhadores limpos em lojas limpas”, era uma adequação entre funcionalidade e beleza nas empresas. Dessa forma os nazistas consideravamm que ao garantir ao trabalhador a saúde e a limpeza, libertavam-no de sua condição proletária e, garantiam-lhe dignidade de burguês, eliminando portanto a luta de classes.
É impossível falar do imaginário artístico de Hitler que beirava a loucura sem citar Albert Speer. Seu fiel e oficial arquiteto era o responsável de tornar real todos os megalomaníacos sonhos artísticos. Com ele surgem novos prédios e avenidas para caracterizar o período, e muitos outros não chegaram a sair do papel em virtude do conflito mundial e dos rumos que ele foi tomando.
Eram construções monumetais que desafiavam a física e que superariam em muito todos as criações arquitetônicas até então existentes e que lhe servira de inspiração, como a cúpula da Basílica de São Pedro e o Arco de Truinfo. Ainda incluiam nos planos reformuladores de Hitler, a construção de uma nova Berlim, que seria a capital não só do III Reich, mas também do mundo, e deixaria Paris as suas sombras, baseada num regresso ao belo e até mesmo a superação deste para ultrapassar os desafios do moderno.
O filme apresenta ainda que Hitler tinha uma enorme adimiração e uma fixação irrestrita a antiguidade como um modelo e visionário, inclusive sugerindo que os germânicos teriam os gregos como antepassados. O mundo grego e suas artes eram vistos como o belo, o perfeito e o almejável. Em função de tanta admiração, em 1941, quando a Alemanha invade a Grécia, o füher impede que Atenas seja bombardeada, resguardando dessa forma sua cidade referencial. É também um apreciador de Esparta considerando-a como a nação mais pura e via Roma como o Império mais poderoso.
A política estética de Hitler não podia esquivar-se dos judeus, segmento em que o filme dedica um bom tempo com a perseguição e eliminação dos judeus como parte do processo de purificação, não só da raça, mas de toda a cultura, mostrando o processo de extermínio. Esses eram aludidos a bactérias, tendo que fazer com os judeus o mesmo que se faz com elas, exterminá-los, dando continuidade aos trabalhos de Koch e Pasteur. Esse povo era comparado a um câncer que se alastra.
A propaganda nazista, com os filmes exibidos nesse período funcionando como importante veiculação das ideologias e loucuras nazistas disseminava o ódio para com os judeus como pragas a serem exterminadas como uma questão higiênica, de saúde pública, da mesma forma que os insetos eram eliminados, através dos inseticidas (criados na época e utilizados nas câmaras de extermínio). O genocídio dessa forma atingiria um modo mais higiênico, gentil e delicado que os fuzilamentos.
Conforme o longa-metragem mostra, fora feito um saneamento antropológico em nome da beleza, da estética e da pureza, encontrando os planos de Hitler, para seu maior desempenho e para o horror para a humanidade, pelo caminho as câmaras de gás. A estética, cuja valorização é importante lembrar que estava presente nos padrões culturais europeus, também é vista como a força motora do Nazismo, dentro do seu ideal de embelezamento do mundo, nem que para pô-lo em prática, antes tivesse que antes destruí-lo. E foi isso que Hitler começou a fazer.
Ficha Técnica:
Título Original:
Arquitetura da Destruição
País de Origem: Suécia, 1992
Duração: 121 minutos
Diretor: Peter Cohen
Narração: Bruno Ganz

Fichamento de Texto: VIZENTINI, Paulo F. “O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: a dimensão histórica e conceitual”

Introdução:
O neonazismo não se restringe à idéia de um movimento político em si, ou a questões exclusivamente de origens sociais, éticas ou filosóficas. Trata-se de um fenômeno que está calcado nos problemas internacionais e que não está conhecendo fronteiras no mundo inteiro. Apresenta-se em diversas formas, seja como partido político, no caso de extrema-direita, de um eleitorado suprapartidário e como gangs sendo o que se chama de um processo múltiplo, e o que é visível representa apenas parte de um fenômeno muito mais complexo.

Nascimento, expansão, derrota e hibernação:
Houve na Europa um solo fértil para o surgimento do nazifascismo, no fim da I Grande Guerra como o sucesso da Revolução Bolchevique e as crises financeiras que atingiram o continente e ainda estava em cena um processo de negação de todo ideário da Revolução Francesa, resgatando tradições conservadoras que se opunham a noção de progresso e a noção iluminista.
Recentemente foi feita uma comparação muito interessante entre os anos 70 e 80 com os anos 20 e 30 mostrando o tipo de produção cultural e de imaginário político que foi se gestando, os desgastes sofridos pela economia e pela política, sobretudo na Europa, mas não limitado a ela, e que tiveram como respostas manifestações sociais de forma a repudiá-los.
O ressurgimento dessas ideologias deve-se ao fato de que em 1945, o fascismo foi derrotado, mas não eliminado ou vencido definitivamente, pois ainda, no final da Segunda Guerra Mundial regimes de perfis fascistas estiveram presentes na cena política na Europa. Portugal de Salazar e a Espanha de Franco negociaram com as potências vencedoras e mantiveram-se no poder. Evidente que algumas reformas um pouco cosméticas foram introduzidas nesses regimes para mascarar o seu caráter, pois o nazifascismo fora derrotado, e eles permaneceram no poder até a década de 70, inclusive participando da OTAN. Destaque também regime dos coronéis gregos durante os anos 60 e 70.
Houve uma tentativa durante e após a guerra de esmagar junto com o fascismo, as ideologias esquerdistas, o que não conseguiram as potências ocidentais. No entanto, na Guerra Fria foi feita uma divisão da Europa de caráter geopolítico, não respeitando as particularidades internas dos países na hora de estabelecer as divisões. Na realidade, países como a Grécia, a Itália e a França, onde a esquerda era muito forte, permaneceram no campo ocidental. Enquanto isso, países onde a esquerda era muito fraca, como Polônia, Hungria e Romênia, permaneceram no bloco soviético.
Uma das saídas encontradas foi reorganizar as forças conservadoras, nos países do lado pró-ocidente, em tomo, por exemplo, de partidos como a Democracia Cristã, de centro e centro-direita que deveriam, então, equilibrar a vida política desses países. Há de se ressaltar que dentro dos partidos de centro-direita formados no pós-guerra havia militantes e membros dos partidos fascistas.
Com o Plano Marshall, percebe-se uma nova tendência nos julgamentos de criminosos de guerra, inocentando pessoas, sobretudo grandes empresários que haviam sido extremamente ativos na manutenção desses regimes. O anti-comunismo vai ser a grande bandeira atrás da qual puderam se esconder, mostrando uma forma de solidariedade com as democracias liberais que ali existiam, falando da ditadura dos outros (o leste socialista) e não daquela do seu passado, com a afirmação de que o problema estava do outro lado da Cortina de Ferro, exclusivamente, essa foi uma camuflagem muito útil para a manutenção da vida política nesses lugares, para quebrar o poder da resistência e dos grandes partidos de esquerda e dos sindicatos, que eram extremamente fortes em vários desses países.
No entanto, personalidades nazistas eram extremamente úteis no Pós-Guerra, como os especializados em combater as organizações de esquerda e que trabalharam por um tempo para a agência de Inteligência norte-americana (CIA), sendo o caso, de Wemer Von Braun. Outros utilizaram seu conhecimento técnico importante para o projeto espacial norte-americano e, evidentemente, tiveram seus arquivos suavizados para poder participar como um cidadão das democracias em uma corrida espacial contra a URSS.
Formou-se de fato, uma série de redes internacionais de solidariedade que levaram várias personalidades, elementos importantes do regime derrotado, a buscar refúgio tanto nos EUA quanto no Canadá, mas também nas periferias como a América do Sul e África do Sul, sendo elementos integrados como uma força anticomunista. Nesse quadro, destaco a operação Gladio, uma organização paramilitar, que assim como outras, eram utilizadas como uma virtual segunda linha de defesa da OTAN, no caso de uma guerra e de uma invasão soviética. Como ela nunca aconteceu, elas eram empregadas para golpear organizações sociais, organizações civis de esquerda, sindicatos, partidos políticos, entre outros. A organização Gladio era uma formação européia, existente em todos os países da Europa e financiada pela OTAN durante todo o período de Guerra Fria.
Durante os "anos dourados" nas sociedades ocidentais, particularmente na Europa, a população sofreu uma acomodação política. Houve uma desnazificação conduzida pelos governos, com políticas educacionais específicas dirigidas aos estudantes e toda a geração que se seguiu à Guerra, existindo um enquadramento desses em uma sociedade liberal democrática, uma sociedade de consumo, ocorrendo progressivamente, uma despolitização dessas populações, onde o remexer no passado procurando investigar, acabava por chocar-se com o passado dos seus pais.
Nesta época, os partidos de extrema-direita tinham uma composição etária curiosa. Eram formados por pessoas acima de 60 anos e que haviam sido nazistas no passado; e depois se seguia a faixa de pessoas de meia idade, onde a pirâmide reduzia-se drasticamente; abaixo, uma ampla base social de jovens, assim, aquelas pessoas que haviam vivido a desnazificação tinham uma representação muito pequena. Normalmente esses partidos viviam uma vida vegetativa e semi-clandestina, onde outras formas de reuniões eram preferidas, como os clubes e associações e que utilizavam certas causas periféricas, por exemplo, as mudanças de fronteiras.

O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo:
Os grandes "anos dourados", os anos de prosperidade, começam a esgotar-se desde a crise do petróleo. Em meados da década de 70, o mundo inteiro é sacudido por diversas revoluções ultranacionalistas ou socialistas, que atingem o Terceiro Mundo, da Nicarágua a Angola, do Ira ao Vietnã. A crise do petróleo desencadeada por regimes do Oriente Médio no poder criou uma recessão econômica que começava a atingir o Primeiro Mundo. Era também o fim do milagre econômico da Era de Ouro e do Estado de Bem-Estar Social. Na verdade, por trás disso, está uma reconversão industrial e tecnológica muito mais ampla (a crise do petróleo é um problema limitado dentro de um amplo espectro de reorganização produtiva). De qualquer forma, a crise econômica e a vitória dessas revoluções começam a fazer com que aquela simpatia que existia na classe média européia pelo Terceiro Mundo - e que muitas vezes era uma espécie de "alívio da consciência de seu próprio passado" - passasse a declinar.
Com o surgimento de alguns capitalismos bem sucedidos no Terceiro Mundo os países ocidentais começam, lentamente, a ser inundados por mercadorias baratas produzidas na Ásia Oriental, por exemplo, que criaram certo tipo de xenofobia, pois passam a competir com países do Primeiro Mundo. Há claro, um quadro de estagnação industrial, e o surgimento do desemprego, tudo isso aumentado pela enxurrada de imigrantes.
Esses fatores favorecem o renascimento do nazifascismo, e somado a isso, está à estagnação e a regressão demográfica dos países do Hemisfério Norte. O problema demográfico em si mesmo, era acrescido a reorganização da economia mundial, que fazia com que alguns setores econômicos do Primeiro Mundo necessitassem de um tipo de mão-de-obra mais barata e fizesse, efetivamente, um apelo a vinda de trabalhadores estrangeiros para setores que não tinham a margem de lucratividade suficiente para atrair a população nativa mesmo desempregada, esses além de crescerem profissionalmente, constituem famílias e acirram a competição no mercado de trabalho e por serviços básicos.
Nesse período, a sociedade de consumo formada era ligada a uma idéia de cidadania enquanto consumo, surgindo contrários a esse estilo de vida, os hippies "cabeludos e pacifistas" (e de classe média), que vão ser substituídos por uma versão mais popular, os skinheads. Eram movimentos de contracultura pelo desencanto com a sociedade de consumo, com a sociedade que se centrava na questão do indivíduo e do enriquecimento pessoal. Esse vai ser então, um local de recrutamento para as organizações fascistas ou neofascistas.
Nos anos 70, os regimes de Salazar em Portugal, o franquismo na Espanha e o regime dos coronéis gregos vão desmoronar, e a extrema direita começa a reorganizar-se abertamente com o fim “oficial” de regimes semelhantes ao fascismo. Os anos 80 são anos de retomada do liberalismo na economia. É uma época que vai caracterizar-se pelo desemprego e por incertezas de toda ordem, o emprego passa a ser uma virtualidade ou passam a ser frágeis, sem seguro social. A forma de trabalho passa a ser flexível devido ao toyotismo que, então, substitui o fordismo. Tudo isso refletido não só pelos skinheads, mas também pelas torcidas organizadas, os hooligans, que estão fortemente implantados nos bairros de desempregados e de classes deprimidas.
Estas tensões sociais vão encontrar uma válvula de escape na xenofobia e no racismo, que foi seu grande ponto de partida e o seu relançamento. Os estrangeiros passam a significar, nesse sentido, pessoas que iriam tomar seus empregos, que estariam mudando seus modos de vida e de sua cultura, introduzindo as drogas, a criminalidade, a decadência. Crescem os pedidos para rever a política de imigração para refugiados políticos, que havia sido uma "generosidade" da Europa até aquele momento, muito motivada pelo passado nazista. Tamanha é a demanda do povo por restrições às imigrações, atendidas pela direita, que a esquerda passa a fazer o mesmo. Todo o espectro político começa a caminhar para a direita, nos anos 80, com a eleição generalizada de governos conservadores na Europa, paralelo e estimulado pela falência do projeto social-democrático e pela crise do socialismo na década de 80, acrescido pelas privatizações e cortes de serviço social.
A partir disso, a social-democracia que deu estabilidade à Europa no Pós-Guerra, começa a passar por toda uma reciclagem para tentar aproximar-se de uma visão mais à direita. O ressurgimento da Guerra Fria permitiu o retomo da ideologia enaltecedora da violência e o combate a elementos reformistas e esquerdistas.
Contudo, as potências acabaram criando um "monstro" que, retoma-se o culto ao militarismo. Nos anos 80, vários problemas vão levar ao retomo do irracionalismo, refletido no campo das ciências, aquilo que futuramente chamar-se-ia de pós-modernidade. O pensamento de que o mundo é inexplicável, contraditório amplia-se para o campo da cultura, da sociedade, da religião, ou seja, há uma ampla expansão desse irracionalismo. Ocorrem peregrinações que aumentaram pelo mundo. O Estado está se retirando do campo social e econômico e os grandes movimentos políticos e os partidos não respondem mais as demandas sociais. A necessidade de buscar proteção toma-se imperativa.
Todo esse misticismo torna-se um fenômeno de massa, com a emergência de jogos de sorte e azar, loterias e horóscopo, as pessoas começam a gostar de assistir filmes, não apenas de violência, mas aqueles filmes que propõem um tipo de catarse. Formas atávicas, como a restauração de um Islã, reintroduzindo práticas sociais arcaicas e, finalmente, tomando-se um regime político a religião toma-se uma política de Estado. A religião passa a ser uma categoria política.
O fim da URSS e da Guerra Fria, a competição econômica internacional e a reestruturação tecnológica, produzem não só integrações econômicas, mas fragmentações pelo mundo, gerando uma crise social e econômica de novo tipo, onde a esquerda reclama menos da exploração e mais da exclusão. Ou seja, muitas vezes os governos de esquerda fazem enormes concessões para atrair alguma empresa, mantê-la e para ter algum ingresso de capital.
Passa a existir uma espécie de extrema-direita, sem causa e abandonada. O fundamentalismo islâmico, por sua vez, escapa do controle. Os neonazistas começam a fazer ações, principalmente nos países do Leste Europeu, que saem do regime socialista. A extrema-direita, o nacionalismo, a xenofobia e as idéias neonazistas surgem com vigor em países onde até então não havia, de certa forma, estruturas e formas de convivência capazes de lidar com este fenômeno.
Os últimos anos do comunismo foram negativos em termos de performance econômica, havendo uma descrença neste sistema por uma parcela significativa da população. Além disso, a idéia geral era "passar para o outro lado". Ora, adotar outro sistema revelou-se uma experiência frustrante e dolorosa, porque implicou em uma reciclagem industrial e numa política de ajustes que ocasionou forte desemprego. Daí o desencanto com o capitalismo ter sido um passo muito rápido, porque quanto mais ilusão se tem com algo, mais rapidamente vem à desilusão, deu-se o resgate de formas atávicas do que havia de pior no nacionalismo desses países.
Houve um grau de despolitização inédito. O desencanto das pessoas com os partidos, com os políticos e com as instituições democráticas é elevado e extremamente preocupante, abrindo espaço para "antipolíticos" populistas. Quanto a não aceitação do outro, do diferente, eram atestado quando as pessoas chegadas do Leste Europeu e que ficam acampadas próximos das estações ferroviárias, quando jovens neonazistas são pagos por pessoas vizinhas para expulsá-los dali, numa tentativa de continuar a tranqüilidade. A queda do Leste Europeu ampliou em muito o problema das migrações, onde uma massa de refugiados, se dizendo perseguidos políticos ou de origem alemã, ou ainda fugindo de guerras, chega à Europa Ocidental diariamente, as vítimas são apresentadas como agressores e delinqüentes.
Outro caso é o "racismo" existente entre os wessis e os ossis, ou seja, os alemães da Alemanha ocidental e os da antiga Alemanha oriental. Existe um sentimento de rejeição recíproca muito forte atualmente, pois as duas sociedades são estruturalmente diferentes, e os orientais são tratados como vencidos. Trata-se de questões socioeconômicas e políticas, inclusive no barril de pólvoras da lugoslávia, pois sérvios, croatas, bósnios e eslovenos constituem um mesmo grupo étnico.
Como resultados, os neofascistas estão presentes nas últimas eleições. No entanto sabe-se que o medo e a ignorância são à base desses movimentos, e as democracias devem se armar contra isso, através da mobilização social.
Estamos vivendo uma espécie de esgotamento, declínio e em alguns pontos, até colapso de uma ordem que existiu anteriormente. É precisamente neste hiato de pânico e desesperança que surge o medo. Já se expandiram através do mundo as revoluções conservadoras e os diversos fundamentalismos. O contra-senso nutre-se de ignorância e medo, de crença e esperança. São os elementos de toda religião, de toda superstição. O traumatismo econômico que sofrem atualmente as sociedades arrisca transformar esses elementos em elixires para uma nova barbárie.

Fichamento de Texto: PAXTON, Robert O. A anatomia do Fascismo. São Paulo, Paz e Terra, 2007. Capítulo 7: p. 283-334 (Outras épocas, outros lugares)

O fascismo ainda é possível?
O maior obstáculo ao renascimento do fascismo clássico é a repugnância que ele inspirou, ainda mais tento que enfrentar uma série de fatores como a globalização irreversível da economia mundial, o triunfo do consumismo individual, o declínio da disponibilidade da guerra como instrumento de política nacional e a redução da credibilidade da ameaça revolucionária. No entanto em função de uma série de acontecimentos preocupantes na década de 1990 como a limpeza étnica dos Bálcãs, a exacerbação dos nacionalismos excludentes no Leste Europeu pós-comunistas, a disseminação dos grupos skindheads contra os imigrantes e as crescentes participações políticas da extrema-direita na Itália, França e Holanda com a ascensão de fragmentados grupos de extrema-direita na vida política e social da Europa, o desaparecimento desse regime foi posto em xeque.
Sendo apresentado com uma nova roupagem, como um racismo e um nacionalismo abertamente violentos, seus elementos definidores – uma ilimitada soberania nacional, o gosto pela guerra e uma sociedade baseada na exclusão violenta – não tem lugar no mundo do pós-guerra, pois as condições que permitiram a ascensão e a tomada de poder no período entre guerras não mais existem. De qualquer forma um fascismo futuro como uma reação a uma crise qualquer ou buscando a restauração da historia e do orgulho nacional, não teria uma semelhança perfeita com o exemplar original, com interesses cifrados, não se utilizaria se seus signos e símbolos além de que decerto daria a si outro nome.
As cópias-carbono do fascismo clássico, a partir de 1945, sempre soaram exóticas ou chocantes demais para conquistar aliados, como os skindheads que geram tanta repulsa enquanto intentam conquistar apoio. Temos que entender o renascimento de um fascismo atualizado como o surgimento de algum tipo de equivalente funcional, e não de uma repetição exata.

A Europa Ocidental desde 1945
Mesmo após a derrota e a execração do fascismo após 1945, alguns de seus seguidores e partidários fiéis, e até mesmos simpatizantes com suas causas e objetivos, sendo inclusive realocados ultimamente, fez surgir na Europa movimentos herdeiros do regime. A crescente participação e presença na política, inclusive em altos cargos do escalão administrativo, de grupos e partidos de extrema-direita em toda a Europa – França, Grã-Bretanha, Holanda e Alemanha, nas últimas décadas, sobretudo nas duas que encerraram o século XX, como não nos deixam mentir os resultados das eleições, provoca certa tensão na sociedade como um todo.
Como já dito no parágrafo anterior, o neofascismo saudosista não se limitou a Alemanha e a Itália. A França e a Grã-Bretanha, vitoriosas, mas exaustas pela Segunda Guerra Mundial, sofreram a humilhação de perder seus impérios e sua posição de grandes potências. Seria de esperar que os fascismos nostálgicos diminuíssem à medida que a geração de Hitler e Mussolini fosse morrendo. Inesperadamente, entretanto, movimentos e partidos de direita encontraram um período de crescimento nos anos de 1980 e 1990. Embora alguns filhos tenham levado adiante a mesma causa de seus pais, novos recrutas, dando voz a novas queixas, trouxeram novo ímpeto à direita radical européias. Algo que se assemelhava aos fascismos nem de longe estava morto, na entrada do século XXI.
Mudanças fundamentais nas esferas social, econômica e cultural estavam então estavam em curso, exacerbadas pela crise do petróleo e pela contração econômica que teve início em 1973. Essas mudanças vinham levantando novas questões e preparando um novo público para novos movimentos e partidos de direita radical, que viriam a alcançar maior êxito que os fascismos herdeiros das três décadas que se seguiram ao conflito mundial. Enfrentando crises em setores fabris tradicionais e a concorrência dos Tigres Asiáticos com uma mão-de-obra mais barata, a Europa afronta-se com o desemprego estrutural.
O colapso da solidariedade e da segurança para grande parte da classe trabalhadora européias, que teve início na década de 1970, foi a gravado pela chegada a Europa Ocidental de levas de imigrantes do Terceiro Mundo, ao longo do pós-guerra. Em tempos de fartura, os imigrantes eram bem-vindos, porque vinham assumir o trabalho sujo recusado pela força de trabalho nacional. Mas quando desde a Grande Depressão, os europeus passaram a enfrentar o desemprego estrutural, os imigrantes deixaram de ter boa acolhida.
Além disso, a imigração para a Europa tinha mudado de figura. Enquanto os imigrantes anteriores vinham da Europa do sul ou do leste, diferindo apenas ligeiramente de seus anfitriões, os novos imigrantes vinham agora de antigos territórios coloniais. Com isso, os europeus tiveram de coexistir com comunidades permanentes de africanos, indianos e islâmicos, que alardeavam suas identidades separadas. A ameaça imigrante não era apenas econômica e social. Eles, com seus costumes, línguas e religiões estranhos, eram freqüentemente percebidos como um fator de enfraquecimento da identidade nacional.
Agora as medidas keynesianas que proporcionaram o boom da Era de Ouro no seguido pós-guerra, agora detonavam níveis de inflação perigosos. As sucessivas privatizações cada vez mais freqüentes, aliada a Terceira Revolução Técnico-Científica agravaram o desemprego; o Estado como fonte tradicional de apoio vinha perdendo espaço para o mercado global e para a União Européia; o sistema previdenciário beirava a falência com o aumento do número de seguridades em função dos elevados níveis de desemprego e pelo aumento da expectativa de vida, aí um fator positivo. Toda essa conjuntura e esse conjunto de inimigos surgidos permitiram o nascimento de uma nova geração de movimentos de extrema-direita como os de Jean-Marie Le Pen, na França, e a Alleanza Nazionale, na Itália, também em função de o comunismo estar bastante desacreditado, havendo uma carência para os que almejavam mudanças.
Hoje em dia, na Europa Ocidental, existe uma relação inversa entre uma aparência abertamente fascista e o sucesso nas urnas. Por essa razão, os líderes dos movimentos de extrema-direita que alcançaram algum grau de sucesso se esforçam ao máximo para se distanciar da linguagem e da imagem do fascismo. Nos programas e nas declarações desses partidos ouvem-se ecos dos temas fascistas clássicos como o medo da decadência e do declínio, afirmação da identidade nacional e cultural, a ameaça à identidade nacional e à ordem social representada pelos estrangeiros inassimiláveis e a necessidade de uma autoridade mais forte para lidar com esses problemas. No entanto, o elemento cuja ausência é notada é o clássico ataque fascista à liberdade de mercado e ao individualismo econômico. Além disso, a democracia vacilante da primeira metade do século já está, agora, bastante consolidada. De fato, a maioria dos movimentos é visto como de causa única, direcionados a mandar de volta a seus países de origem os imigrantes indesejáveis, e é somente por essa razão que a maioria de seus eleitores tem seu voto.

O Leste Europeu pós-soviético
Na Rússia quando, após 1991, o experimento pós-soviético com a democracia eleitoral e a economia de mercado trouxe resultados desastrosos para o país, movimentos resgataram a tradição eslavófila com explícitos experiências nazistas com um programa de renascimento e unificação nacionais sob uma autoridade forte, acrescidos de uma proposta de reconquista.
No entanto, todos os Estados sucessores do Leste Europeu, a partir de 1989, também tiveram movimentos de direita radical, embora a maioria deles, felizmente tenha permanecido fraca. A democracia conturbada e as dificuldades econômicas, somadas à contestação de fronteiras e à permanência de minorias étnicas descontentes, ofereciam solo fértil a esses movimentos. Os casos da Iugoslávia, da Bósnia e da Croácia, foram os mais emblemáticos, não só pela presença de extremismos como Milosevic, mas as propostas separatistas seguidas de guerras, massacres étnicos e antagonicamente de formação de grandes nações de maioria étnicas.

O Fascismo fora da Europa
Alguns historiadores argumentam que o fascismo histórico exigia as pré-condições especificamente européias da revolução cultural do fim do século, da rivalidade entre os pretendentes ao status de grande potencia, do nacionalismo de massas e da disputa pelo controle das instituições democráticas. Outros dizem que o fascismo representa abrir mão das instituições livres, sendo característicos dos que possuem uma democracia frágil, e, portanto, são expansivos aos países do Terceiro Mundo.
É uma discussão bastante polemica, pois nem todos os governos tidos como fascistas, o são efetivamente. Alguns são apenas anti-democráticos, autoritários e segregacionsitas, incluindo o período de apartheid da África do Sul, a Ação Integralista Brasileira e os governos de Getúlio Vargas e Juan Perón, que embora tenha sido ditadores e possuidores de influencias fascistas, sobretudo Perón com seu sofisticado sistema de tráfico e abrigo de nazistas, no fim das contas ficaram ao lado dos aliados como Vargas ou mantiveram-se diante de uma neutralidade pró-eixo, como Perón. Não se deve esquecer das ditaduras latinas, principalmente a chilena sob o comando do general Pinochet com fortes elementos fascistas.
O fascismo japonês, acima de tudo, ditatorial também é um bom exemplo de regime desse tipo fora da Europa, que diante de um autoritarismo militarismo praticou o expansionismo pela Ásia em defesa dos povos amarelos, mas para seu próprio proveito. Governos sanguinários da África também são confundidos com fascismo, mas em comum, possuem apenas o apreço pela violência.
Os Estados Unidos são um antagônico e complexo caso a analisar. Contando com movimentos de extrema direita são cunho xenófobo, principalmente com os negros – esse fenômeno é recíproco – como para com latinos e nos últimos anos em principal, após os atentados terroristas de 11 de setembro, contra o islamismo. Esse último aspecto nos realoca ao fundamentalismo religioso, como o protestantismo radical, aliado a cultura black, presentes na sociedade norte-americana.
Partindo para o conturbado Oriente Médio podemos falar novamente no fundamentalismo, agora muçulmano, como razão da discórdia, do enfrentamento e da criação e ascensão de grupos extremistas que praticam o terror sob a intolerância. Destaque para o Irã, e o governo ditatorial de Saddam Hussein, além dos embates entre Israel e os palestinos com o apoio dos irmãos árabes, e do caso libanês junto do seu, agora na política, Hammas. Nesse caso, podemos admitir um fascismo de base religiosa, pois a religião pode ser tão poderosa quanto a nação como motor propulsor da identidade, inclusive incitando a violência.

Fichamento de Texto: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro, 1998. Capítulo “Singularidade e normalidade no holocausto”: p.106-141

Embora o Holocausto tenha ocorrido há quase meio século e seus objetivos imediatos assim como a geração que o presenciou tenha ficado para trás e já desaparecera, os elementos de nossa civilização que direta ou indiretamente propiciaram o Holocausto ainda fazem parte de nossas vidas, não foram eliminados. Logo, a possibilidade de um novo Holocausto também não se fora junto.

O problema
Temos que ter em mente que o Holocausto não era esperado, dado o conhecimento então existente dos fatos e da conjuntura nazista. No entanto, passado apenas um ano, sua realidade deparava-se com a incrudelidade geral. Apesar desse choque, o Holocausto pouco mudou o curso da história e a nossa compreensão dos fatores e mecanismos que um dia o tornaram possível. E com essa compreensão não muito desenvolvida do que se passou meio século atrás podemos estar mais uma vez despreparados para notar e decodificar os sinais de alerta, uma vez que as condições que um dia deram origem ao Holocausto não foram radicalmente transformadas.
Como cita Leo Kuper (p.109 §2) “A ideologia e o sistema que deram origem a Auschwitz permanecem intactos. Isso significa que a própria nação-Estado está fora de controle e é capaz de desencadear atos de canibalismo social em escala sequer sonhada. Se não for controlada, ela pode consumir uma civilização (...) Muitas características da sociedade civilizada contemporânea encorajam o fácil recurso a holocaustos genocidas (...) O Estado territorial soberano reivindica, como parte integral de sua soberania, o direito de cometer genocídio ou promover massacres genocidas de povos sob o seu governo e... a ONU, para todos os efeitos práticos, defende esse direito.
O Holocausto não só, misteriosamente, evitou o choque com as normas e instituições da modernidade, mas foram essas normas e instituições que o tornaram factíveis. Sem a civilização moderna e suas conquistas mais fundamentais (destaque para os princípios da Revolução Francesa de igualdade, liberdade e fraternidade, além da igualdade dos direitos humanos e da noção de Estados nacionais soberanos) não teria havido Holocausto.

Genocídio adicional
O Holocausto foi tanto um produto como um fracasso da civilização moderna. Como tudo o mais que se faça a maneira moderna – racial, planejada, cientificamente fundamentada, especializada, eficientemente coordenada e executada – o Holocausto superou e esmagou todos os seus supostos equivalentes pré-modernos, expondo-os comparativamente como primitivos, perdulários e ineficientes. Como tudo o mais na nossa sociedade moderna, o Holocausto foi um empreendimento em todos os aspectos superior, se medido pelos padrões que esta sociedade pregou e institucionalizou.
Foi para os praticantes do genocídio frio, completo e sistemático como Stálin e Hitler que a moderna sociedade racional preparou o caminho. O mais notável nos casos modernos de genocídio é, simplesmente, sua escala. Em nenhuma outra oportunidade, fora os regimes de Hitler e Stálin, tanta gente foi assassinada em tão pouco tempo. Esta não foi, porém, a única novidade, mas apenas um subproduto. O assassínio em massa contemporâneo caracteriza-se, por um lado, pela ausência quase absoluta de espontaneidade e, por outro, pelo predomínio de um projeto cuidadosamente calculado, racional. É marcado pela quase completa eliminação da contingência e do acaso, assim como pela independência face às emoções grupais e as motivações pessoais. O genocídio moderno, com um propósito, é um elemento de engenharia social, que visa a produzir uma ordem social conforme um projeto de sociedade perfeita.
Utilizando-se de uma parábola, Bauman, compara a sociedade a um jardim, de modo que devem ser execrados todos os elementos que o enfeiem, como as ervas daninhas no jardim, por um responsável em estabelecer a harmonia e a beleza. As vítimas de Hitler e Stálin não foram mortas para a conquista e colonização do território que ocupavam. Muitas vezes foram mortas de uma maneira mecânica, enfadonha, sem o estímulo de emoções humanas – sequer o ódio. Foram mortas por não se adequarem ao esquema de uma sociedade perfeita. Sua morte não foi um trabalho de destruição, mas de criação, para que uma sociedade humana objetivamente melhor, mais eficiente, mais moral e mais bela pudesse ser criada num mundo harmonioso, livre de conflitos, dócil aos governantes, ordeira e controlada, onde pessoas marcadas pela inerradicável praga do seu passado ou origem não podiam se adequar a esse mundo impecável, saudável e brilhante. O Holocausto é um subproduto do impulso moderno em direção a um mundo totalmente planejado e controlado.

Peculiaridade do genocídio moderno
O Holocausto moderno é único num duplo sentido. É único entre outros casos históricos de genocídio porque é moderno. E é único face à rotina da sociedade moderna porque traz à luz certos fatores ordinários da modernidade que geralmente são mantidos à parte. (p.118 §1) Neste segundo sentido de sua singularidade, só a combinação de fatores é rara e incomum, mas não os fatores combinados. Separadamente, cada fator é comum e normal.
O Holocausto absorveu um enorme volume de meios de coerção. Usando-os a serviço de um único propósito, também estimulou sua posterior especialização e aperfeiçoamento técnico. Sua formidável eficiência baseou-se, sobretudo na submissão do seu uso a considerações meramente burocráticas, técnicas. A violência tornou-se uma técnica. Como todas as técnicas, é livre de emoções e puramente racional.

Efeitos da divisão hierárquica e funcional do trabalho
O uso da violência é mais eficiente e menos dispendioso quando os meios são submetidos a critérios instrumentais e racionais e, assim, dissociados da avaliação moral dos fins. O crescimento do potencial mobilizador e coordenador e da racionalidade e eficiência de ação são alcançados pela civilização moderna graças ao desenvolvimento da administração burocrática. A dissociação é, de modo geral, resultado da meticulosa divisão funcional do trabalho e da substituição da responsabilidade moral pela técnica.
Uma vez isolados de suas longínquas conseqüências, a maior parte dos atos funcionalmente especializados ou passa facilmente no teste moral ou é moralmente indiferente. Quando desmembrado de preocupações morais, o ato pode ser julgado em termos racionais inequívocos. O que importa é se o ato foi executado de acordo com o melhor conhecimento tecnológico possível e se o resultado alcançou a melhor relação custo-benefício. O resultado é a irrelevância dos padrões morais para o sucesso técnico da operação burocrática. Os autores se interessam em fazer bem o trabalho, e a moralidade resume-se ao comando para ser um bom, eficiente e diligente especialista e trabalhador. E é de fato, o que ocorre na “máquina holocaustica” onde cada etapa é responsabilidade de um indivíduo ou grupo, buscando a efetividade da ação em andamento.

Desumanização dos objetos burocráticos
A desumanização liga-se de modo inextricável à tendência mais essencial, racionalizante, da moderna burocracia, e o modo de ação burocrático, por sua vez, contém todos os elementos técnicos que se revelaram necessários à execução de tarefas genocidas, à medida que a burocracia é programada para buscar a solução ótima, mais favorável. É programada para medir essa solução ótima em termos tais que não fizesse distinção entre um e outro objeto humano ou entre objetos humanos e desumanos. O que importa é a eficiência e a diminuição dos custos para produzi-las. Todo esse esquema foi posto em prática para viabilizar o extermínio nos campos nazistas.

O papel da burocracia no Holocausto
Assim foi que na Alemanha de meio século atrás essa burocracia recebeu a tarefa de tornar o país livre de judeus, iniciando com a definição precisa do objeto, com a posterior listagem dos que se encaixavam na definição e a criação de uma ficha para cada um. Prosseguiu segregando os que figuravam nos arquivos, e por fim, passou a expulsar a categoria segregada da terra ariana a ser purificada, primeiro para que emigrasse e depois deportando-as para territórios não germânicos, assim que tais territórios caíram sob controle alemão. Ao final com um grande império ecumênico, a única forma de eliminar o lixo judeu fora pela fumaça, como diz Bauman.
A burocracia contribuiu para a continuidade do holocausto não apenas por sua inerente capacidade e suas técnicas, mas também por sua imanente enfermidade e afecções. A tendência de todas as burocracias a perderem de vista o objetivo original e se concentraram em vez disso nos meios – meios que se transformam em fins – foi amplamente ressaltada, analisada e descrita. A burocracia nazista não escapou ao seu impacto. Uma vez em movimento, o mecanismo do assassinato ganhou ímpeto próprio e o que mantinha a máquina assassina em funcionamento então era unicamente sua própria rotina e ímpeto. As técnicas do assassinato em massa tinham que ser usadas porque estavam lá.

Falência das salvaguardas modernas
A consciência da ameaça constante contida no desequilíbrio caracteristicamente moderno de poder tornaria a vida insuportável, se não fosse pela nossa confiança nas salvaguardas que acreditamos terem se tornado o próprio tecido da sociedade civilizada, moderna. Só em poucas ocasiões dramáticas a confiabilidade das salvaguardas é colocada em dúvida, sendo o principal significado do Holocausto foi ter sido uma das mais temíveis ocasiões desse tipo. Talvez o fracasso mais espetacular tenha sido o da ciência como o corpo de idéias e como rede de instituições de estudo e ensino, enquanto essa avançava de forma estupenda. Falharam também as Nações Unidas e a diplomacia entre os países.
A repulsa cultural à violência revelou-se pobre salvaguarda contra a coerção organizada; enquanto as maneiras civilizadas mostraram uma espantosa habilidade para coexistir pacífica e harmoniosamente com o assassinato em massa. A repulsa civilizada da desumanidade não se mostrou forte o bastante para encorajar uma resistência ativa a ela. A maioria dos espectadores reagiu como as normas civilizadas aconselham e nos levam a reagir diante de coisas bárbaras e repugnantes: viraram os olhos para outro lado.

domingo, 4 de maio de 2008

Fichamento do Capítulo "Contra o Inimigo Comum" do livro Era dos Extremos

I
Uma situação histórica excepcional tomou conta das relações internacionais durante anos da Segunda Guerra Mundial. Estados Unidos e União Soviética, reconhecida pelos americanos apenas recentemente em 1939, uniram suas forças contra um inimigo comum, a Alemanha de Hitler. Essa união anômala se deu por que lutavam contra um Estado cujas ambições e política eram perigosamente movidos por sua ideologia, a fascista. È bom que se destaque que essa junção teve a duração do conflito mundial, quando após o seu término, essas nações tornam-se novamente, inimigos ideológicos, dando início à Guerra Fria;
Durante a década de 30, as divisões internas em cada país, tomaram propensões mundiais. Ainda não eram as dissensões entre comunistas e capitalistas que tanto abalaram o mundo, mas entre os descendentes do Iluminismo e das grandes revoluções do século XVIII, incluindo então, comunistas e capitalistas contra os fascistas. Tratou-se de uma guerra civil ideológica cujas linhas divisórias da maioria dos países ocidentais tomaram um caráter internacional.
Na verdade houve uma tripla mobilização política contra o fascismo, mais precisamente contra o alemão, sendo unidos por esse interesse comum. Um apelo por uma política de resistência e governos dispostos a executá-las. Em teoria a junção de liberais, socialistas e comunistas era mais fácil, pois o fascismo os via publicamente como inimigos a serem igualmente destruídos. No entanto, apenas as circunstancias de guerra, a efetivaram.
Com a esquerda crescendo na opinião pública de vários países ocidentais, o que não acontecia com a direita em crise junto com a democracia liberal, deu a entender que uma aliança contra Hitler mais cedo ou mais tarde ocorreria. Enquanto isso, o füher já colocava em prática as hostilidades nazistas, expurgando judeus das universidades, queimando seus livros e reduzindo-os a uma subclasse sem segregada e sem direitos.

II
Inglaterra e França estavam traumatizadas com a derrota e os custos financeiros e humanos oriundos da Primeira Guerra Mundial, por terem travado uma guerra além de suas capacidades financeiras, suas economias estavam arrasadas, e pelo impacto do conflito sem precedentes para a população civil e militar. Eram feridas abertas e ainda sentidas por governantes e sociedade em geral.
Cientes de que lutar contra o fascismo significava uma guerra inevitável, adiaram o máximo que conseguiram a declaração de guerra à Alemanha. Nenhuma das duas tinha algo a ganhar com a guerra, mas sim a perder. Diante disso, uma França dilacerada e uma Inglaterra, que além de tudo sem estratégias combativas em função de uma marinha incapacitada, poria em risco seu império colonial, foi estabelecida uma política de apaziguamento. Uma tentativa desesperada em adiar o conflito iminente. Foi uma política de negociação com a Alemanha para estabelecer um padrão europeu pacífico mais durável, significando fazer concessões ao crescente poder da Alemanha. Contudo negociações eram impossíveis com Hitler, porque os objetivos políticos do nacional-socialismo eram irracionais e ilimitados. Expansão e agressão faziam parte do sistema, e, a menos que se aceitasse a dominação alemã, não resistindo ao avanço nazista, à guerra era inevitável.
Depois de esperar por uma guerra germano-soviética, e dessa maneira ver destruído seus dois inimigos por parte dos britânicos e após iniciais tentativas sem sucesso de um complô com os britânicos da parte de Stálin, este aliançou-se com os alemães justamente como uma tentativa de manter-se neutro e protegido e ainda por cima, ganhando alguns territórios do leste do continente e esperando também por um conflito entre britânicos e alemães.
Stálin manteve seu pacto até Hitler desfazê-lo, no entanto, a Inglaterra, em algum momento teria que deixar de lado seu camarote de apaziguamento para entrar em ação visando sua defesa e soberania. A Conferência de Munique em 1939, onde foi “autorizada” a invasão da Tchecoslováquia pela Alemanha, a grande vergonha do medo do britânico, foi à última esperança desesperada para satisfazer Hitler. Mesmo quando a Alemanha invade a Polônia, a própria Inglaterra ainda tentaria um acordo diplomático, mas a política de Hitler impossibilitara o apaziguamento e mesmo contrariando suas vontades, os estadistas de Inglaterra e França declaram guerra à Alemanha.

III
As disputas da década de 30, travadas dentro dos Estados e/ou entre eles, eram, portanto transnacionais. Em nenhuma parte isso foi tão evidente quanto na Guerra Civil Espanhola de 1936-1939, tornando-se exemplar do confronto global.
Embora não possa ser considerada um primeiro estágio da Segunda Guerra Mundial, e a vitória do general Franco, que não pode ser descrito como fascista, não tenha tido conseqüências globais, a Guerra Civil Espanhola foi um espelho do que acontecia na Europa. Retratou o apaziguamento e o não intervencionismo de Inglaterra e França, reafirmou o poderio bélico e militar e a ascensão dos fascistas com a participação de Alemanha e Itália ao lado da Falange, apoiando o golpe militar em cima do governo constitucional e corroborou o espírito combativo da URSS.
Uma característica outra que deu um internacionalismo a Guerra Civil Espanhola foi a combatividade de homens oriundos de diversas nações. De um lado, fascista e de outros um exército, inclusive amador, de comunistas que lutaram ao lado de governo republicano e liberal contra os insurgentes generais, defendo uma ideologia e dispostos a dar a vida por ela.

IV
A Guerra Civil Espanhola antecipou e moldou as forças que depois de destruírem Franco, fariam o mesmo com o fascismo durante o posterior conflito mundial. Adiantou a aliança de frentes nacionais que poria de lado suas divergências ideológicas em prol da derrubada do objetivo comum, a derrocada também em comum do inimigo fascista. E na verdade, o conflito espanhol, transformou a espantosa unidade de opostos em realidade, Roosevelt e Stálin, Churchill e os socialistas britânicos, De Gaulle e os comunistas franceses, contribuindo para um relaxamento das hostilidades mútuas, tornando a união mais fácil e bem sucedida
A Segunda Guerra Mundial seria uma vitória por uma sociedade melhor, uma regeneração social, e não somente uma vitória militar, embora essa também se mostrasse bastante importante ao fim do combate. Houve um comprometimento por parte dos governos liberal-democráticos como o de Winston Churchill com um Estado de Bem-estar e com o pleno emprego. Introduziram-se reformas sociais e econômicas, não só, mas também pelo temor a revolução. No geral era a guerra anti-fascista sendo conduzida suavemente a tendências esquerdistas. Nos países da parte centro-oriental uma nova democracia fora instalada, acima de tudo anti-fascistas, mas já sendo o início de uma irradiação comunista.

V
Embora a linha Comintern tenha falhado e sido retirada da pauta dos planos anti-fascista de Stálin, em 1941 quando a Alemanha invadiu a URSS, essa lógica acabou por se impor novamente e agora mais ampla do que nunca. A entrada dos soviéticos e a dos Estados Unidos efetivamente na guerra contra o fascismo tornou-a numa luta global, tão política quanto militar e atingindo uma aliança entre o capitalismo dos EUA e o comunismo da URSS.
Essa luta agora de “igual pra igual” contra o fascismo fora ampliada por todo o continente europeu para aqueles dispostos a reunir esforços para resistir à Alemanha e Itália. No entanto toda essa Europa beligerante estava ocupada pelas potências do Eixo, a exceção apenas da Grã-Bretanha, por isso no restante das nações européias essa luta foi uma guerra de resistentes, uma guerra de civis ou de forças armadas de ex-civis não reconhecidas pelos exércitos, uma luta de partisans.
O exemplo clássico, embora não único, dessa resistência européia fora o caso francês, onde na França livre, de Vichy, o general De Gaulle liderou o que restava do país, que mesmo limitada e com pouco apoio popular, resistiu aos alemães e sob sua tutela fora reorganizada após a capitulação da Alemanha.
A resistência pendia sua política obviamente para a esquerda, e destaca-se a extraordinária participação dos comunistas nesse tipo de movimento, conquistando espantoso avanço político durante a guerra e alcançando grande papel na política após o conflito, como na Dinamarca e na Bélgica onde alcançaram expressivas votações se comparadas ao período entre guerras, na França surgindo como o maior partido nas eleições de 1945 e na Itália, onde eram apenas um pequeno grupo perseguido, ilegal e que tinha sido ameaçado de dissolução pelo Comintern.
De fato, essa cadeia de eventos foi possível porque os comunistas estavam acostumados a viverem em situações extremas de ilegalidade, repressão e guerra, e como “revolucionários profissionais” diferiam dos socialistas e social-democratas que não conseguiam viver na ilegalidade sem suas tradicionais atividades, escolhendo, portanto a via da hibernação. Além disso, seu internacionalismo e apaixonada convicção à causa, possibilitou uma imensurável mobilização de rebeldes com causa.
Os comunistas, no entanto não tomaram o poder em parte alguma, por embora bastante notável sua participação nas Resistências, não estavam em condições para tanto, e além de tudo, como leais a URSS, foram por ela desencorajados a investirem na tomada de poder, a exceção do Bálcãs. Mesmo as revoluções comunistas feitas como na Iugoslávia e Albânia fora contra a vontade de Stálin, pois a política soviética internacional do pós-guerra era de manter um esquema de aliança anti-fascista com uma coexistência, a longo prazo, de sistemas capitalistas e comunistas.
Isso resultava num adeus a revolução mundial. O socialismo se limitaria a URSS e à área destinada por negociação diplomática como sua zona de influência, isto é, basicamente a ocupada pelo Exército Vermelho no fim da guerra. A divisão do globo, ou de uma grande parte dele, em duas zonas de influencia, negociadas em 1944-1945, permaneceu estável. Nenhum dos lados cruzou mais que momentaneamente a linha que os dividiu durante trinta anos. Ambos recuaram do confronto aberto, assegurando assim que as guerras frias jamais se tornariam quentes.

VI
O breve sonho de Stálin, de uma parceria americano-soviética solapou e demonstrou a amplitude da oposição entre capitalismo global e comunismo, ficando evidente que fora uma aliança militar que jamais teria existido sem a série de agressões da Alemanha nazista e a seqüente invasão a URSS, e a declaração de guerra aos EUA. Foi uma guerra de reformadores, corroboradas com a nítida mudança da sociedade para a esquerda onde houve eleições autenticas, a exemplo da Inglaterra, que elegera o Partido Trabalhista derrotando Wisnton Churchill, uma prova de que o eleitorado após a vitória exigira mudanças sociais.
Mudanças de fato fora o que ocorrera nos países europeus no fim da guerra. Aqueles sob o controle do Eixo, agora se reorganizavam em prol de modelos socialistas, comunistas e até mesmo de víeis fascista. Outros retornavam a seu modelo liberal-democrata, mas todos de alguma forma buscavam uma reorganização com uma queda para esquerda predominante. Na verdade, além dos EUA a URSS foi o único país beligerante que a guerra não trouxera nenhuma mudança social e institucional significativa, embora a guerra tenha trazido enorme instabilidade ao sistema. Curiosamente foram os dois países que lideraram o cenário da política internacional no pós-guerra.

VII
Falando numa escala planetária destaca-se a posição do Japão ultranacionalista na Ásia, aliado da Alemanha lutando contras as forças de resistência chineses comunistas, encaravam um papel de defesa dos povos não-brancos frente ao imperialismo dos povos brancos, assumindo para si esse colonialismo. Houve profunda inspiração na América Latina e em toda parte da Ásia e África, incluindo o Oriente Médio. Muitos dos territórios coloniais viram no desmoronar do Império branco a oportunidade de liberdade como jamais se vira anteriormente, no entanto, mesmo com o cenário otimista com o solapar das forças imperialistas e as duas superpotências que não eram amigas do velho colonialismo dominando a política, muitos desses territórios viam como medidas prioritárias a cooperação para a derrota do Eixo através do auxílio a sua respectiva metrópole. As tendências de esquerda eram tamanhas que além dos territórios coloniais elas tiveram influências substanciais em países do mundo islâmico, enquanto, ironicamente, um grupo extremista de judeus fora negociar com a Alemanha a expulsão dos britânicos da região da Palestina.

VIII
Assim a derrota do fascismo deixou pouca saudade, a não ser na Alemanha e no Japão, onde os admiradores haviam lutado com tamanha lealdade. No Japão não mobilzou nada além de uma simpatia temporária pela pele amarela, enquanto na Alemanha, os fiéis do füher ficaram com a lembrança da era dourada e do sonho do grande Reich, mas na verdade o nacional-socialismo deixara lembranças amargas, além de atrapalhar sua adaptação a uma nova vida que sob as potencias ocupantes lhe impuseram suas instituições e costumes e determinaram os caminhos por onde deveriam seguir. Apenas na Itália, o fascismo não desapareceu totalmente, havendo um movimento neofascista que homenageara Mussolini. No geral, ele desapareceu com a crise mundial, no pós-guerra, que lhe permitira surgir, jamais tendo sido um projeto político universal.
No pós-1945, quase todos os Estados rejeitaram a supremacia do mercado e acreditaram na administração e no planejamento da economia pelo Estado. Na verdade avançavam para uma era de milagres econômicos e os governos capitalistas estavam convencidos de que só o intervencionismo econômico podia impedir um retorno às catástrofes econômicas do entre guerras e evitar os perigos políticos de pessoas radicalizadas. Os países do Terceiro Mundo acreditavam que só a ação política podia tirar suas economias do atraso e dependência. A União Soviética e seus seguidores acreditavam no planejamento central e inspiravam a fração do mundo descolonizado.
Eram todas as três regiões do mundo no pós-guerra com a convicção de que a vitória sobre o Eixo, conseguida através de mobilização política e de políticas revolucionárias, além de sangue e ferro, abria uma nova era de transformações sociais. Dessa forma não houve mais um fascismo pra unir contra si, capitalismo e comunismo, e mais uma vez se prepararam para enfrentar um ao outro como inimigos mortais.