domingo, 15 de junho de 2008

Fichamento de Texto: MILMAN, Luis. “Negacionismo: gênese e desenvolvimento do genocídio conceitual” In.: MILMAN, Luis, VIZENTINI, Paulo.

I. Introdução: Atrocidade e Cinismo:
O artigo de Luis Milman foca o trabalho dos negacionistas, a vertente de historiadores que nega os crimes nazistas, desmentindo-os, simplificando-os, ou tratando os como meros atos de guerra e até mesmo defensivos pelos nazistas. Eles constroem uma versão fictícia da História e que essa versão produz efeitos políticos, vide a extrema direita européia e o avivamento do anti-semitismo. Com isso, obriga os historiadores a refutá-los e a fazer uma reflexão sobre a relevância do papel da História e da memória para a educação humanista.
Essa pessoas que negam ter havido o extermínio planificado de judeus (sobretudo, mas não exclusivamente), desejam, através de contorcionismos retóricos, descriminalizar o regime nazista e, com isso, reabilitar o nazifascismo como opção política. É essa tentativa, a saber, a de aliviar o nazismo de seu fardo criminoso, que deve ser analisada.
Como historiografia, o negacionismo é uma deformação, uma expressão particularmente assustadora da naturalidade, baseados num perspectivismo relativista, Eles praticam o embuste e o cinismo. Alguns, por exemplo, admitem que judeus foram assassinados pelos alemães, mas dizem que estes assassinatos teriam sido crimes de guerra, tão condenáveis quanto os crimes cometidos pelos aliados contra os alemães.
Com essas declarações, admitem uma indiferença moral com respeito a atrocidades cometidas contra judeus pêlos alemães durante a II Guerra. Não há remorso, não há admissibilidade de culpa, reconhecimento ou vergonha pelo sofrimento humano causado. Há racionalizações sobre as circunstâncias da guerra.
No entanto, o trabalho de renomados historiadores como Zygmund Bauman, nos mostra exatamente a face real e cruel desses atos de guerra nazistas. “O Holocausto foi um genocídio deliberado e planificado, cujo resultado foi à eliminação da metade da população judaica européia. Também é verdade que a doutrina e a prática da eliminação física dos judeus, priorizada e executada em escala industrial pêlos nazistas, é, para os padrões de uma moral não contaminada pelo cinismo, uma aberração sem precedentes na História. Ela resultou da combinação de uma idéia política bizarra - a reforma do mundo pela engenharia racial, que era a convicção de um grupo racista que conseguiu chegar ao poder na Alemanha com uma conjunção peculiar de características do totalitarismo nazista, tais como a formação de uma cadeia de comando disciplinada e disposta a executar as ordens de um líder "acima de todas as outras devoções e compromissos, a indiferença de pessoas comuns com relação ao destino dos judeus, o emprego de tecnologia e de métodos de planejamento modernos e a criação de uma máquina administrativa dedicada ao assassinato coletivo”.
O maior perigo desse movimento é que os pseudo-argumentos dos revisionistas da negação e do seu papel na ofensiva política da ultra-direita européia, voltou a ocupar terreno em disputas eleitorais.

II. Dos Paleonazistas a Rassinier: a primeira fase do negacionismo:
Os negacionistas apresentam-se como pesquisadores dedicados a questionar a "história oficial". No entanto essas dissimulações têm suas motivações políticas. É a expressão, a mais recente, do ideário político anti-semita cultivado pela direita radical européia desde o final do século passado; é o instrumento, não o único obviamente, de uma intensa ofensiva ideológica que visa a habilitar o fascismo como alternativa política para a solução de problemas estruturais das democracias consideradas estáveis na Europa do Pós-Guerra; é uma compreensão inteiramente anti-sionista do conflito árabe israelense e, sobretudo, palestino-israelense. Desse modo, o negacionismo passa a servir de justificativa para a rejeição de qualquer forma de compromisso com a existência política de Israel, rejeição a qual se apegam setores árabes e muçulmanos ideologicamente intransigentes.
Componente principal ainda é o anti-semitismo virulento, que identifica as oligarquias capitalistas ao judaísmo internacional, e este ao sionismo. Destaque para aqueles que se utilizam da complicada geopolítica do Oriente Médio e as ações de Israel pra simplificar os crimes cometidos pelos judeus. Os Paleonazistas acrescentaram, ao pan-arabismo e ao enfrentamento com Israel, o componente anti-semita do ideado nazista, que se tomou, assim e definitivamente, um ponto importante da doutrina de rejeição total de Israel no mundo árabe e, a partir de 1980 especialmente, no Irã.
O negacionismo passa, a partir dos anos 70, a ser o elemento central de uma estratégia que se destina a criar condições para a recomposição ideológica de grupos políticos nazistas. Inicialmente centrados na acusação de parcialidade e revanchismo dos julgamentos de Nuremberg, essa ensaística deriva para a eliminação dos crimes nazistas e para a inversão que transformava os criminosos da II Guerra em vítimas, apresentando teses como a da inexistência das câmaras de gás.
Nesse cenário destaque para os grupos europeus, como o Movimento Social Europeu, que reagrupam ideólogos da extrema-direita e amantes do fascismo com a participação de autores negacionsitas como Bardeche e Rassinier.

III. De Faurisson e da Velha Toupeira: o negacionismo híbrido:
Essa escola alega que a “história oficial” compreende uma só mentira, desafortunadamente endossada até agora pela história oficial (a dos vencedores) e pelo poder colossal dos meios de comunicação. Que o genocídio era "uma invenção judia pura e simples" e que "a única coisa exterminada em Auschwitz foram piolhos". Nesse cenário, destaque para o papel da França de Vichy e do nostálgico anti-semitismo do vichysmo francês para o negacionismo e como o berço dos debates revisionistas.
No entanto, essa vertente tem tido o apoio de setores da esquerda anárquica, radicalmente anti-sionistas, o esquerdismo sectário que passava por um processo de quase extinção no final dos anos 70, mas que encontrou, na negação do genocídio, a base do que pode ser chamado seu renascimento ideológico. Isso tudo quebrou a monotonia da identificação do negacionismo como discurso exclusivo de extrema direita e, gerou uma confusão acerca da natureza desse movimento. A esquerda radical passou a defender posições nacional-socialistas e anti-sionistas, numa ruptura total com o consenso antifascista, do qual a esquerda européia historicamente participara. Não podemos perder de vista, entretanto, que o lugar natural da negação do Holocausto é a extrema-direita.
Destaca-se nesse mundo do faz de conta, a Velha Toupeira como editora anti-sionista e negacionista que virara um grupo revolucionário independente da ultra-esquerda que abrigava os revisionistas. Nela os ideólogos como Rassinier têm a liberdade de publicarem suas deslavadas mentiras. Anti-soviética, anti-burguesa, por fim anti-trotskista, anti-sionista e intérprete autêntica da história revolucionária. Vendo o anti-fascismo como álibi do capitalismo, para ela, não há qualquer especificidade hitlerista nas galerias das tiranias modernas: os campos de concentração só poderiam ser campos de exploração no sentido econômico do termo.
É também importante acentuar que, desde a primeira metade dos anos 70, tais idéias passaram a ser defendidas por nazistas europeus e norte-americanos, que publicaram vários textos destinados a provar que o extermínio de judeus não passava de um mito. Nessa época também, alimentada pelo apoio e a dimensão obtida pelas teses, à extrema-direita francesa voltaria a apresentar credenciais políticas, com a Frente Nacional de Lê Pen.

IV. Butz, Irving e Garaudy:
David Irving na década de 70, com a publicação do livro "A Guerra de Hitler", tentou isentar Hitler de qualquer responsabilidade pelo extermínio, que o autor atribui principalmente a Heydrich e a Himmler. Irving sustentava, nesse livro, que matanças em massa haviam sido cometidas desordenadamente e obedecido a uma dinâmica independente, inteiramente desconhecida de Hitler, que não as teria aprovado.
Surgiu no fim da década de 80, o Leuchter Report um relatório pretensamente científico de autoria de um engenheiro que se dizia especialista em instalações de câmaras de gás para sentenciados à morte dos Estados Unidos. Destinava-se a provar que os instrumentos usados em Auschwitz, Treblinka e Sobibor não eram adequados para a aniquilação em massa, e que sua função era a desinfecção sanitária.
Vale ressaltar as conclusões dos trinta anos de pesquisa dos autores revisionistas: As "câmaras de gás" de Hitler nunca existiram; os "genocídios ou os pretensos genocídios” dos judeus nunca ocorreram; claramente, Hitler jamais ordenou ou permitiu que alguém fosse morto por razões raciais ou religiosas; as alegadas "câmaras de gás" e o alegado "genocídio" são uma única e a mesma mentira; essa mentira, essencialmente de origem sionista, permitiu uma gigantesca fraude político-financeira cujo principal beneficiário é o Estado de Israel; as principais vítimas dessa mentira e fraude são os alemães e os palestinos; o tremendo poder da mídia tem garantido, até agora, o sucesso da mentira e proibido a liberdade de expressão daqueles que denunciam a mentira, e que os apoiadores da mentira agora sabem que ela agora está para ser desvelada; eles distorcem o significado e a natureza da pesquisa revisionista; eles chamam de "ressurgimento do nazismo" ou de "falsificação da história".
Todos esses argumentos não passam de uma simulação ideológica ampliadas na identificação das causas do sofrimento do povo palestino com as causas do sofrimento do povo alemão, ambos alegadamente vitimados pela tirania judaica, além da denúncia da perseguição que sofre a pretensa pesquisa histórica.
As premissas tomam Hitler inocente ou ao menos atenuam seus crimes. Suas conclusões são credenciadas na linha terceiro-mundista da escola, ao fixarem uma posição anti-imperialista, cuja essência é, no entanto, é uma propaganda anti-sionista que encobre o conhecido anti-semitismo político.

V. Negacionismo como retorno à catequese racial:
Essa vertente extrai tais teses do que seus protagonistas chamam de "crítica de documentos". A crítica, alegam, produz uma ruptura com o que, ainda segundo a escola, tornou-se a "opinião de consenso" acerca do destino dos judeus europeus durante a II Guerra. No entanto trata-se de tentar desmentir um fato “indesmentível”, pois além de tudo, a literatura revisionista não atende a critérios histórico-documentais sequer aceitáveis.
Trata-se da invenção de um nazismo historicamente inocente e, por outro, na denúncia de Israel como um estado títere do imperialismo - que é apresentado como uma ordem política e econômica, em última instância, controlada por judeus.
Uma interpretação anti-semita sistemática da história (que invalida qualquer evidência do extermínio) e a constante exploração da “judeofobia”, que identifica o judaísmo com uma corporação político-econômica voltada para a dominação dos povos, tomando-se a essência da visão de mundo e da prática nazista com uma receptividade deste anti-semitismo renovado, a partir da década de 50, pela propaganda de guerra do mundo árabe contra Israel,
O anti-semitismo fornece, em síntese, a base conceitual da escola negacionista. Com a combinação de variadas de ideologias, o que fazem é atualizar, no Pós-Guerra, o mito da perversidade judaica, complementado-o com o disfarce da solidariedade terceiro-mundista. Demonstram uma submissão de tipo confessional ao linguajar da burocracia nacional-socialista, que se destinava a encobrir o assassinato. Tais grupos valem-se da negação do extermínio para sustentar que o regime nazista (anti-imperialista, pacífico, e anticomunista, para os nazifascistas, ou mera decorrência do capitalismo, para os errático-marxistas) foi levado à guerra por um complô judaico, cujos interesses Hitler e seu regime haviam contrariado.
Faz-se a suspeição sistemática lançada contra toda a evidência do Holocausto. Testemunhos dos sobreviventes, documentos e fatos incontroversos sobre a sua planificação ou execução são simplesmente denunciados como invenções do sionismo internacional e dos governos que ele supostamente controla.
Promovendo um redirecionamento da literatura marxiana para o anti-semitismo fora do contexto do autor, é a compreensão que as mitologias anti-semitas suprimem quando propõem uma interpretação literal e atomizada deste texto, provocando a degeneração do pensamento de esquerda.
A crença de que o judaísmo é o arquétipo do capitalismo está presente em muitos textos do século XIX e ocupa um lugar central no enredo que faz da negação do genocídio a pedra-de-toque de teorias conspiratórias e fantasias de complôs secretos. É com base no uso dessa crença que a pseudo-história dos negacionistas manipula evidências e questiona a existência de um crime que ninguém pode seriamente pretender negar. Na realidade, o negacionismo só funciona, na História, em vista da operacionalidade do mito anti-semita. No negacionismo, o crime é simplesmente suprimido, transformado em ficção e, nessa condição, atribuído a um plano de dominação judaica.

VI. A título de conclusão: metodologia ou patologia:
O investimento simultâneo na humanização de Hitler (e de seu regime) e na satanização dos judeus sustenta uma indústria editorial de milhões de livros e ainda ajuda a conquistar votos em toda a Europa (cerca de 20 por cento do eleitorado). No entanto, devemos nos ater a questionar em que sentido pode ser sustentado a tese de que a derrota do nazismo foi à derrota da Alemanha?
Os negacionistas colocam-se deliberadamente à margem da seriedade científica, mas isto não cria maiores dificuldades para suas pretensões. Há, na mentalidade contemporânea, espaço suficiente para crenças em fantasmagorias e insanidades e isto nada tem a ver com o fato de haver uma verdade suficientemente assentada sobre o destino de milhões de judeus europeus: eles foram exterminados de várias formas, por uma decisão política clara e uma máquina criada para o assassinato em massa. Os negadores desta verdade não oferecem nenhum argumento sério, não formulam nenhuma dúvida fundamentada, sobre o que já sabemos sobre os crimes nazistas.
Tem um pouco mais de espaço, pois as referências explícitas, os comandos e as decisões ligadas ao extermínio foram sistematicamente evitadas, assim como foram destruídas muitas evidências dos crimes, que foram recobertos pela linguagem cifrada.
No entanto, eles fazem um jogo de persuasão, para o qual importa apenas a simulação da verdade, apenas a aparência de ciência e de crítica produzida por uma logorréia voltada para a sedução de ignorantes e protofascistas.
O racismo moderno, que nasceu no século XIX também com uma aparência de cientificidade, é, sem dúvida, um conjunto hermético de idéias inteiramente mentirosas e desumanas. O racismo - e o anti-semitismo em particular- toma tudo àquilo que é falso sobre a natureza humana, a base para a construção de certezas indestrutíveis ao nível da história e da economia. Sua noção central, a raça, é a negação de todas as idéias de utopia, a melhor expressão do ressentimento e do desejo político pela imobilidade social, do horror reacionário à mudança e à transformação
O racismo, em qualquer nível, é a negação do humanismo. É uma ideologia da reação, A degeneração na própria constituição natural dos indivíduos, que assim são agrupados em campos de pureza ou impureza biológica. O racismo faz a fusão entre História e Biologia, entre moral e natureza. Estritamente, o racismo não responde à razão, porque não é um argumento, mas uma patologia racionalizada.
Agrupamentos e partidos políticos xenófobos da atualidade substituíram a forma biológica desta patologia pela forma culturalista. A preservação da "pureza racial" deu lugar à defesa da "identidade cultural autêntica".
O racismo e o integrismo cultural supõem uma comunidade de sangue ou de cultura monolíticas e condicionam a identidade pessoal pela absolutização das diferenças. Essa ideologia proíbe qualquer raciocínio que não seja derivado do medo da mestiçagem, do ódio aos inimigos da raça ou da tradição. Os ideólogos neonazistas, no entanto, dedicam-se a reorganizar o mito da conspiração judaica mundial em vista de objetivos políticos renovados. Eles são racistas, em sua grande maioria. Há também os “judeófobos”. Alguns têm ainda defendido a posição de ignorá-la, mas esta me parece uma forma equivocada de avaliar o problema do negacionismo. Confrontá-la com razões e posicionamentos claros é um passo efetivo no sentido de fazê-la refluir. Devemos isso à memória dos que foram mortos em Auschwitz, Beizec, Treblinka, Sobibor, Majdanek, Chelmno, às vítimas da eutanásia, das torturas, dos trabalhos forçados, dos fuzilamentos, do confinamento em guetos, dos que resistiram e dos que enfrentaram o nazismo. Devemos, sobretudo, a nós mesmos e ao nosso futuro como civilização.

Fichamento de Texto: GOODRICK-CLARKE, Nicholas. Sol Negro: cultos arianos, nazismo esotérico e políticas de identidade. São Paulo: Madras, 2004.

Na década de 50, o neonazismo começou a tomar forma. Como movimento típico de países centrais, ele fora motivado nos Estados Unidos pela oposição branca aos direitos civis para negro e uma maior integração dessa fração da população na sociedade em geral, como por exemplo, o uso de um transporte integrado independente da cor do usuário. Na Grã-Bretanha os grupos neonazistas surgiram em resposta aos crescentes níveis de imigração de pessoas de cor a partir do final dessa década. À medida que os negros americanos começaram a se beneficiar da legislação dos direitos civis e os imigrantes passaram a estabelecer-se politicamente na Grã-Bretanha na década de 80, os grupos neonazistas sugeriram que o domínio racial branco estaria ameaçado.
Como identifica o autor, essa extrema-direita racial que logo chegaria à política com resultados eleitorais expoentes, não cresceu a partir exclusivamente desse sentimento de ameaça pela etnia branca. A partir da década de 60, os grupos de poder negro e críticos radicais exigiram o reconhecimento oficial do negro como minoritário, demandando assim uma ação compensatória por parte do Estado. A institucionalização dessas exigências levou a vastos programas de oportunidades iguais e ação afirmativa na provisão de serviços públicos, empregos e educação para favorecer negros americanos e programas de quotas raciais. Os efeitos discriminatórios dessas políticas sobre os brancos causaram certo ressentimento por parte desses e a concessão de privilégios baseados na raça estimulou o crescimento da extrema direita racista.
Partindo para outro campo de discussão, o autor analisa os cultos arianos e o nazismo esotéricos como mitologias para negar o declínio do poder branco no mundo, em virtude da ascensão de grupos raciais inferiores (negros, judeus, latinos e muçulmanos). Apoiados em promessas milenaristas e filosóficas, acreditam que as raças européias, brancas, estão temporariamente incapacitadas pelas tais influencias estrangeiras, de exercer o domínio branco sobre o mundo.
Surgem então duas vertentes de neonazistas. Uma primeira, mais antiga, na qual tem George Rockwell como expoente, segue modelos nazistas e uma narrativa épica da Segunda Guerra Mundial para se opor ao liberalismo do pós-guerra, com os judeus como seus principais arquitetos, e aos negros como a continuidade de antigos e intermináveis conflitos. No entanto, uma nova vertente vem ganhando espaço com um discurso de afirmação da identidade branca – ou reafirmação – mas apoiadas num novo nacionalismo como uma cultura de resistência às forças da globalização e de imigração. Desse modo o culto ariano de identidade branca é mais presente nos Estados Unidos, onde os desafios do multiculturalismo e da imigração terceiro-mundista são maiores.
O problema da imigração americana e suas negativas conseqüências já eram previstas desde o fim da I Grande Guerra, e atualmente o inevitável eclipse do mundo ocidental branco é um problema mais grave, uma vez que a falta de controle dessas ondas migratórias provoca a majoritariedade de imigrantes ilegais.
Uma vez migrados - sejam para os Estados Unidos com suas exceções quanto aos negros, ou para a Grã-Bretanha, como o melhor exemplo europeu - esquecendo-se o modo de como o fizeram, o problema maior passa a ser a assimilação desses no país. Isso requer uma política de bilingüismo e multiculturalismo no sistema educacional e no cotidiano em geral. Benefícios institucionais antes restritos aos negros expandem-se aos imigrantes, colocando lado a lado negros e brancos. Os direitos humanos internacionais sobre noções de soberania nacional também levou a uma erosão da cidadania, pela qual os estrangeiros clandestinos recebem benefícios do bem-estar social, educação e subsídios do governo. O processo de miscelânea cultural, ou aculturação ocidental, aumenta o embate. Longe de terminar, ainda têm os legalizados, acusados de sobrecarregar os sistemas de saúde, educação e previdências, são também vistos como responsáveis pelo desemprego dos nativos. Os domiciliados por sua vez, não vêem os ilegais com bons olhos.
Disso resulta uma situação curiosa. O multiculturalismo é promovido por agendas políticas liberais e de esquerda, na busca pelo apoio das cada vez mais numerosas minorias, ao lado, da renovação do vigor da extrema direita a partir da década de 80. Esse último aspecto deve-se a uma nova geração de neonazistas, acomodada em grupos racistas de skindheads e através de elementos culturais como a música, que se transformam em verdadeiras religiões cultuadoras da identidade branca, à medida que níveis crescentes de imigração para países ocidentais ocorrem provocando dificuldades no que concerne ao multiculturalismo e assimilação desses novos moradores. Esse ressurgimento é paralelo ao envelhecimento da primeira geração de líderes neonazistas do pós-guerra, aonde a lembrança do desafio do Eixo ao liberalismo ia ficando para a História.
Os desafios do multiculturalismo nos Estados Ocidentais são grandes, uma vez que esse está levando a uma hostilidade ainda mais difusa contra o liberalismo e entre grupos etnicamente diferentes. O exemplo das negativas ocorridas na Iugoslávia e na URSS, esses cultos arianos e o nazismo esotérico podem ser documentados como sintomas iniciais de grandes mudanças desestabilizadoras nas democracias ocidentais.

sábado, 7 de junho de 2008

Resenha do Livro: FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. São Paulo, Record, 2003.

Anne Frank nasceu em 1929, na Alemanha, filha de um banqueiro e de uma dona de casa, ambos de origem judia. Aos quatro anos de idade, Anne foi obrigada a sair do país com sua família, encontrando inicialmente uma vida segura e confortável em Amsterdã, após a chegada de Adolf Hitler ao poder em 1933. Já em 1942, com a perseguição aos judeus deflagrada também na Holanda, após a tomada dos Países Baixos pelo III Reich, Otto Frank, sua mulher e filhas unem-se a mais quatro pessoas e decidem se esconder dos invasores alemães. Por mais de dois anos, até serem delatados, eles tiveram de viver dias aterrorizantes e toda a tensão da Segunda Guerra Mundial, limitados ao anexo do sótão do escritório de Otto Frank.
No esconderijo, o diário de Anne era o único instrumento de liberdade que ela possuía, e, nele, relatou a vida cotidiana do Anexo Secreto, as transformações sofridas por cada um dos que ali residiam e a angústia daqueles dias. Ele destaca sentimentos, aflições e pequenas alegrias de uma vida incomum, a transformações da menina em mulher, o despertar do amor, a fé inabalável na religião, e revela a rara nobreza de um espírito amadurecido pelo sofrimento. Quando encontrados, os moradores foram levados para uma prisão holandesa e posteriormente para um campo de triagem de judeus, Westerbork até serem transferidos para Auschwitz. Anne Frank fora em seguida transferida com sua irmã Margot, para o campo de concentração Bergen-Belsen, onde morreu de tifo, no inverno de 1945, aos quinze anos de idade.
A história começa em 12 de junho de 1942, quando a jovem Anne Frank ganha de presente de aniversário um diário. A partir desse dia a menina relata os seus sentimentos, pensamentos e tudo o que ela faz. Começa descrevendo sua vida bastante comum para uma garota de sua idade. Fala de suas amigas, da escola, dos seus pretendentes, família e passeios. A princípio nada de diferente para uma menina de treze anos, mas no decorrer de suas anotações percebemos uma preocupação em função do anti-semitismo que agora se fizera presente na Holanda e suas conseqüentes restrições, e com o planejamento de uma iminente fuga junto da família, o que faz seus pais se desfazerem de alguns móveis e objetos de valor para angariar fundos visando o incerto período que ficariam escondidos.
Quando sua irmã recebe uma notificação da SS a família resolve antecipar o plano de fuga. Com a ajuda de amigos, a família Frank reúne apenas alguns itens de mais necessidade e deixa a casa, de modo que não desconfiem que a família esteja fugindo. É nesse momento que Anne Frank deixa uma vida boa e confortável ao lado sua família para abrigar-se num esconderijo improvisado nos fundo do escritório de seu pai.
Quando chega ao Anexo a história torna-se ainda mais comovente. A difícil adaptação a uma vida de limitações e do difícil convívio com sua família e com outros quatro amigos judeus – os três van Daan como os chama, mas van Pels na verdade e o dentista Albert Dussel (Fritz Pfeffer) – também escondidos que resulta em constantes conflitos e discussões, estão muito presente em seus desabafos. No esconderijo todos vivem uma vida de abdicações de conforto e de privacidade com o inalterável medo de serem descobertos e delatados as autoridades nazistas e ou colaboracionistas holandeses, fazendo então silêncio, e tomando várias precauções para que isso não ocorra.
Os habitantes do Anexo Secreto, como Anne gosta de chamá-lo, necessitam da ajuda de alguns funcionários e amigos do escritório para o abastecimento de comida e para suprir a carência de algumas peças de vestuário, que ficavam numa situação degradante com o passar dos meses. São eles que arriscam suas vidas para levar alimentos e materiais higiênicos para os escondidos quando o estoque inicial vai acabando. Anne descreve o racionamento de comida pelo qual todos os holandeses passam, com a necessidade da utilização de talões para adquirir comida. Para eles evidentemente, é necessário que utilizem o mercado negro, através dos amigos do escritório Miep, Bep, Sr. Kugler e Sr. Kleiman, para consegui-los com constante elevação de preços. Difícil também era a preparação de comida, em função das restrições e escassez de certos itens, provocando uma grande falta de variedade e invariáveis repetições no cardápio.
Os piores momentos vividos eram os dos ataques aéreos a Amsterdã. Com o barulho das sirenes que o anunciavam os moradores ficavam apavorados, principalmente quando seguidos por tiros de armas e de canhões. Outra preocupação eram os assaltos realizados ao escritório e que conseqüentemente descobrissem o anexo, pois como Anne descreve muito bem em várias passagens, a sociedade viveu um período degradante de sua história, com famintos e desabrigados pelas ruas ao lado de delinqüentes que se aproveitavam da situação para roubar.
A jovem descreve toda a conjuntura da guerra com impressionante fidelidade. Com as notícias trazidas do mundo real pelos amigos ou ouvidas pelo rádio – este como o maior portador de notícias ao grupo e o elo de ligação deles com o mundo – descrevia as batalhas, as invasões, as tomadas de territórios pelos Aliados, as frustrações com o conflito com as baixas destes, a esperança com a resistência dos russos e as derrotas alemães. Marcante é o anseio desesperado pela invasão inglesa e o depósito de toda confiança e esperança nos neles como sendo aqueles que poderiam dar fim ao conflito e a perseguição aos judeus, ou seja, trazer de volta o passado fraterno. Isso é comprovado através de toda a alegria e o otimismo do “Dia D”, o desembarque inglês na costa da França e com o andamento dos russos para o oeste do continente.
Anne também deixa transparecer todo o seu lado humanitário, com a preocupação para com os outros judeus que não puderam se esconder e com os cidadãos holandeses, pelos quais tem grande apreço, e que também sofrem com a guerra. Relata os episódios comuns ao conflito, os quais já temos conhecimento, como as sabotagens, as resistências jovens e os trabalhos forçados aos quais os homens eram arregimentados, com toda a emoção e com o ponto de vista de uma vítima do conflito mundial. Anne também descreve seu desejo de tornar-se uma cidadã holandesa, já que sua nacionalidade alemã fora retirada por Hitler, mas tem medo diante da mudança de atitude dos holandeses para com os judeus, que segundo ela, o acolheram muito bem. A menina que deseja ter a Holanda como sua pátria, tem medo de ter que deixá-la após o conflito.
No lado pessoal, ela vive uma instabilidade comum a uma menina adolescente com seus típicos problemas de mentalidade, sociabilidade e sexualidade, tudo em profundas mudanças. É confusa quanto a seus sentimentos e assim fica com a descoberta do amor. Descobre em Peter van Daan– o filho dos amigos de seus pais que estão no esconderijo – uma pessoa que passa pelos mesmos problemas que ela e por ele sente uma mistura de amor, amizade, solidariedade, consolo e paixão, mas sem saber ao certo o que sente na verdade. Anne tem uma personalidade forte e difícil de lhe dar, tem crises temperamentais e existenciais, mas cresce, admite seus erros e seu temperamento difícil, e amadurece.
Ela tem saudades do passado, dos tempos anteriores a vida no esconderijo, tem o desejo de liberdade, de fazer as coisas como andar de bicicleta e de passear ao ar livre – a menina admira muito a natureza, o céu, a lua, a brisa sempre que pode – e de estar com amigos. Mas tem um forte apego na religião, coragem – não deixa de estudar como uma necessidade e como uma forma de passatempo –, perspectivas para o futuro e planos para o dia que saírem do esconderijo. No entanto, em alguns dias o otimismo e a esperança dão lugar à tristeza e ao pessimismo, e a menina chora sozinha em sua cama ou trancada no banheiro. Contudo, toda a expectativa da jovem menina foi em vão, pois sua vida foi abreviada antes de completar dezesseis anos de idade, num campo de concentração, pelos insanos planos do nazismo de Hitler.
O Diário de Anne Frank é mais do que um livro. É uma lição de vida, um relato emocionante de um dos períodos mais tristes e degradantes da história da humanidade. Com as palavras da jovem menina, o leitor vive junto de toda a população do anexo, toda a tensão e o andamento da Segunda Guerra Mundial através da visão das vítimas do conflito, que são completamente diferente das palavras escritas nos livros que abordam o assunto, pois são carregadas de emoção, sinceridade e principalmente, experiência. O diário mostra o caos e o estado de calamidade que a Europa viveu durante o conflito, com roubos, invasões, crises de abastecimento, racionamentos e mercado negro. Apresenta também todo o horror da perseguição e das atrocidades cometidas contra os judeus e toda a repulsa dessa gente a Adolf Hitler e a Alemanha, uma vez que seu sofrimento fora aumentando gradativamente à medida que Hitler adquiria mais poderes, não somente sobre a Alemanha, conforme sabemos através da fuga da família Frank de seu próprio país quando o führer chega ao poder, mas também quando ele se apodera de meia Europa.
Um documento que faz o leitor sofrer e torcer junto com os personagens e perceber o quão difícil foram àqueles tempos, e tamanhas foram às barbáries cometidas à humanidade por parte de uma pequena fração insana desse todo. Aclamado até os dias de hoje pela crítica, como um dos livros mais importantes do século XX, é uma obra antológica que deve ser lida por todos, para que a humanidade jamais se esqueça da brutalidade e da crueldade cometida e propagada pelo Nazismo e para que não permita que nenhum episódio semelhante tenha uma repetição na história e para que outros diários desse tipo não sejam mais escritos.